Capítulo Dois
Bom apetite, Bartolomeu!
Quando pensei em ir morar com minha tia avó, eu já sabia que era um lugar com muitas casas bonitas e mansões gigantescas, mas sempre imaginei a casa da minha tia como uma casa de quatro quartos, grande, mas simples.
A casa que surgia pela janela era muito mais do que isso.
Pelo que calculei, só a fachada da casa já indicava, no mínimo, seis quartos. Era uma casa bege com janelas e portas em branco... uma casa. Não, aquela era a maior mansão que eu já havia visto em toda a minha vida. Talvez por não estar prestando muita atenção no resto do caminho, mas a maior casa da cidade onde minha mãe morava não chegava nem à metade daquela. A mansão tinha 3 andares, muitas janelas, e a porta da frente era totalmente trabalhada com vitrais coloridos majestosos.
O jardim tinha uma fonte que jorrava uma água muito cristalina sobre o mármore branco, os arbustos perfeitamente podados circundavam algo que provavelmente era a piscina, haviam muitas flores e muitas árvores espalhadas por todos os cantos. A grama era do verde mais verde que se possa imaginar e perfeitamente cortada, haviam algumas pessoas cuidando do jardim e todas cumprimentaram Sebastião e tia Rose quando passamos. Eu estava tão maravilhada com o local que nem sequer notei o lindo border collie até ele se sentar na minha frente e eu quase tropeçar no cão.
- Ah, parece que você já conheceu Brietta. Ela e o irmão são os cães da casa. Onde está Bubba, Marie?- Minha tia perguntou a uma das mulheres que cuidava do jardim.
- Provavelmente dormindo lá atrás, senhora.- Respondeu Marie, com um sorriso tímido no rosto. Ela também era jovem, parecia ter cerca de 15 anos, e olhava fixamente para Sebastião.
- Olá Brietta.- Disse, enquanto acariciava o pelo sedoso da cadela.
- Parece que ela gostou de você.- Minha tia comentou.- Agora vamos indo, quero lhe mostrar o quarto.
Deixei Brietta para trás e voltei a seguir minha tia. Passamos pelo hall de entrada, que continha um tapete vermelho retangular, um espelho dourado e uma mesinha com um vaso de flores sobre ela e as paredes pintadas de bege acompanhadas pelo chão de madeira. Mas assim que entramos na sala de estar, meus olhos se encheram com os detalhes magníficos do lugar.
Havia uma escadaria de mármore branco em um dos cantos da sala com um tapete vermelho completando a beleza dos degraus, a lareira exibia seu fogo acolhedor, deixando o espaço com um toque caseiro, os sofás, vermelhos, eram dos mais finos e aparentemente confortáveis que eu já havia visto, havia um tapete persa no meio da sala e a madeira no chão parecia brilhar. Algumas prateleiras com livros de capa dura estavam encostadas na parede e havia um lustre de cristal roubando toda a atenção do lugar. Alguns quadros pintados a mão e vasos esculpidos com todos os detalhes possíveis completavam a beleza do lugar. Eu não sabia para onde olhar e não conseguia acreditar que aquela era a minha nova casa e não um hotel de luxo onde pessoas que ganham na loteria ficam por alguns dias.
-Gostou da minha sala de estar?- Minha tia perguntou, acordando-me do meu transe.
- Sim, é... é magnífica!
-Meu marido apreciava muito as cores vermelho e dourado como pode ver. Pedi para manter as paredes em bege para que não ficasse muito poluída a visão. Fizemos tudo juntos, sabe? Éramos muito unidos.
-É tudo tão lindo! Parece um sonho.
-Espere até ver seu novo quarto, você vai adorar.- Ela olhou para mim e pareceu preocupar-se- Você gosta da cor rosa, minha querida?
-Sim, gosto sim.
- E branco?
-Sim, sim, gosto.
-Nesse caso, você vai amar o quarto!- Sua expressão voltou ao antigo sorriso e a calma. Eu não conseguia desgostar de tia Rose, ela era a pessoa mais alegre que eu já conhecera.
Subimos as escadas de mármore e ela me guiou por um longo e largo corredor até pararmos em frente à uma porta branca, como muitas outras no mesmo corredor.
-Aqui é seu quarto, minha querida.- E tia Rose abriu a porta.
Meu primeiro passo para dentro do quarto novo e eu logo senti o tapete macio e peludinho em baixo do meu sapato. O quarto era realmente perfeito, era como um daqueles quartos que as princesas dos filmes Barbie que Sarah assistia dormiam. Havia uma cama de casa redonda coberta por um cortinado branco cheio de cristais pendurados, o chão de madeira clara estava perfeitamente encerado e o tapete em que eu pisava era do meu tom de rosa preferido: nem muito escuro, nem muito claro. As paredes eram rosa bebê e, em uma delas, haviam muitas borboletas pintadas no mesmo tom de rosa do tapete e os rodapés eram brancos. O guarda roupas de madeira, muito delicado e cheio de detalhes era branco também, assim como a penteadeira, a escrivaninha, as molduras das pinturas e todos os detalhes do quarto, como caixinhas de jóias, o pé do abajur e a cabeceira da cama.
-Eu não sabia de que tamanho você estava, mas comprei algumas roupas para você.- Tia Rose abriu o guarda-roupas, um guarda roupas tão grande que eu não imaginei que alguém pudesse ter algo assim.
Na parte dos cabides, haviam lindo vestidos dos mais variados comprimentos, cores e modelos, nas prateleiras haviam pequenas pilhas de roupas organizadas por cor em dégradé e, em uma outra porta, haviam muitos pares de sapatos meigos e delicados. Todas as roupas pareciam servir perfeitamente em mim.
-Certo, admito que sua mãe me deu alguma dicas sobre que número você calça e que tamanho você usa. Você gostou do quarto?- Ela parecia tão ansiosa e nervosa para me agradar que achei um pouco engraçado. Minha mãe sempre tentou me agradar, mas nunca chegou a um ponto tão incrível. Certo, minha mãe nunca teve dinheiro para tanto, mas sempre foi muito justa e nunca pensou em mimar nem a mim, nem a Sarah. Provavelmente eu sairia muito mal acostumada da casa de tia Rose.
-Sim, nossa, nem sei como agradecer.
-Bem, aquela porta do guarda-roupas da para um banheiro.- Ela apontou para a porta do meio- É interessante a ideia, não? Eu e meu marido adorávamos passagens secretas, a casa é cheia delas, então em todas as reformar eu mantive a tradição. Para me agradecer, tome um banho quente na sua banheira, relaxe, coloque um pijama confortável e durma um pouco. Você parece estar muito cansada.
-Obrigada tia. Acho que foi o que eu mais lhe falei até agora, não é? Infinitamente obrigada, você é a melhor tia avó que eu poderia querer.- Tia Rose sorriu, piscou para mim e saiu do quarto.
Eu não conseguia acreditar em tudo o que estava me acontecendo. Agora eu tinha uma suíte maravilhosa, uma banheira só para mim, roupas lindas, tudo o que eu sempre sonhei. Me sentia mimada como nunca.
Entrei na banheira cheia de espuma e deixei minha cabeça viajar para muito longe dali. Era tão relaxante estar ali, mergulhada em espuma até o pescoço, vendo os longos fios de meus cabelos negros misturados na espuma muito branca e minha pele pálida relaxando depois de uma viagem longa e cansativa. O sol já havia desaparecido no horizonte e a luz da lua infiltrava-se pela janela do banheiro. Tudo ali era tão... perfeito.
Minha mente estava relaxada e pensando em absolutamente nada pela primeira vez o dia todo. Era uma sensação nova, uma vida nova, um jeito novo de vida e tudo parecia ser exatamente como um sonho. A única coisa que poderia estragar um momento assim era acordar. Mas algo me dizia que aquilo não era um sonho, que minha nova vida consistia realmente naquele paraíso.
Eu estava completamente mergulhada em um monte de nada, meu corpo estava relaxado e eu realmente não pensava em acordar quando de repente alguma coisa áspera passou pela minha mão. Levantei-me da água em um susto e molhei boa parte da região em volta da banheira. Havia um gato preto parado ao lado da banheira, sentado com a expressão mais solene que um gato pode ter. O felino, que agora eu desconfiava ser uma fêmea, usava uma coleira larga no pescoço com um grande diamante em forma de gota pendurado na ponta. O gato me fitava com seus grandes olhos verdes e arredondados e uma pose de realeza de me fez pensar, por um segundo que aquele felino tinha uma alma humana. Alma, eu nem sequer acreditava nessa baboseira! Me aproximei da gata e ela não se mexeu, apenar me seguia com os olhos. "Tia Rose não me disse que tinha uma gata" pensei, um pouco confusa "e como ela entrou aqui?". Peguei o diamante e virei para ver se tinha algo escrito na parte de trás "Genevive Foster McFlury, pertence à Rose Foster McFlury". É, pelo jeito a gata realmente era de casa.
- Lyra?- Chamou minha tia do lado de fora da porta- Desculpa incomodar seu banho, mas o jantar está na mesa.
-Eu já estou saindo, tia. Acho que sua gata está aqui.
-Oh! Genevive? Vocês já se conheceram então! Ela é um amor de gata, viu? Com certeza vai gostar muito dela.- A gata ronronou em resposta.
-Ela parece um amor...
Genevive saiu do banheiro e pude ouvir minha tia mimando a gata com todos os seus "fofura", "docinho" e elogios do gênero. Me enrolei no roupão de seda branco que estava pendurado ao lado da banheira e calcei as pantufas coloridas que minha mãe me dera à algum tempo e saí do quarto. Minha tia e Genevive já não estavam mais lá, o que me deu tempo para escolher uma das roupas para usar. Haviam duas gavetas lotadas de pijamas de vários tipos. Eu não sabia se precisava mesmo sair para comprar roupas no dia seguinte. Coloquei uma camisola de algodão muito leve e realmente bonita, provavelmente o pijama mais adorável que eu já tive, e desci as escadas para procurar por minha tia no andar de baixo.
Minha tia estava sentada com Genevive em seu colo no sofá em frente da lareira. Agora ela usava um vestido azul marinho de mangas compridas, um salto alto e os cabelos presos em um coque. Nunca imaginei que alguém trocasse de roupa apenas para jantar em casa, mas ainda assim me senti deslocada por estar de pijama.
-Querida... hã... você não está muito acostumada a jantar aqui ainda, não é?
-Nunca jantei aqui, mas... você vai receber visitas?
-Oh não, eu planejei um banquete amanhã para apresentar você aos meus amigos e vizinhos. Hoje é apenas um jantar cotidiano.
- Então porque está tão arrumada?
-Por quê não estaria?
- Bem... você está em casa, não é?
-Sim, mas meus empregados estão sempre por perto, então gosto de me arrumar.- Tia Rose analisou minhas roupas.- Mas se você se sente mais confortável assim, fique a vontade. Você está em casa, pode se vestir como quiser.- Tia Rose sorriu, um pouco sem jeito com minha falta de costume a vida luxuosa.
Saímos da sala e seguimos até a sala de jantar. Havia uma mesa se mármore muito comprida com apenas dois pratos colocados e muita variedade de comida espalhada por ali. Os empregados estavam colocados nos cantos da sala, prontos para servir qualquer coisa que precisássemos e uniformizados como empregados de filmes e novelas. Aquilo era tão estranho, eu me sentia em um estúdio cinematográfico pronta para gravar uma daquelas cenas absurdamente falsas onde as pessoas sentam uma em cada ponta da mesa e conversam sobre algum drama impossível. Aquilo era tão surreal...
- Sente-se- Disse tia Rose apontando para uma cadeira que uma empregada havia puxado para mim. Sorri para ela, mas ela apenas abaixou a cabeça e se retirou sem me retribuir o sorriso. Me sentei na cadeira achando estranha a forma que a empregada se retirou. Ela parecia, de certa forma, assustada...
Passei a analisar a decoração a minha volta: não havia nada muito grandioso ou que chamasse atenção, a não ser a grande mesa, o lustre de cristal que iluminava o ambiente e o quadro enorme pintado a mão de um homem de prováveis 35 anos. O resto da decoração consistia apenas em cortinas vermelhas e gigantescas para cobrir as janelas muito longas e bem acabadas. Por quê tudo ali era tão grande?
-Era seu marido?- Perguntei apontando para a pintura.
-Ah sim, meu querido Bartolomeu...- Abafei uma risadinha e abaixei a cabeça para esconder o sorriso que, por muita sorte, tia Rose não viu. Parecia que naquela casa todos, menos minha tia, tinham nomes incrivelmente estranhos como condes e lordes de contos de fadas. Eucrácia e Pancrácia não demorariam para aparecer por ali...- Ele era um ótimo homem sabe? Morreu cedo de um ataque fulminante... Eu o amava tanto! Gostaria de ter tido tempo para construir uma família, sabe? Adotar filhos e envelhecer ao lado de meu marido, essa casa andava muito solitária desde que ele faleceu. Ainda bem que agora você está aqui, minha querida...- Minha tia sorriu amigável.
Senti pena da perda que tia Rose sofrera. Ela realmente parecia ter amado Bartolomeu... Pelo o que mamãe me contara, eles haviam tido um caso de amor proibido onde os pais dele proibiram o casamento e eles tiveram que fugir para Paris para se casar, ficaram hospedados a casa de tia Abigail e seu marido. Fofo não? Fugir para a cidade do amor apenas para viver um romance proibido? E tia Rose se adaptou muito bem à vida luxuosa do marido, já que agora era uma madame completamente refinada. Ninguém jamais poderia dizer que ela já fora uma garota do interior que vivia em uma fazenda e criava vacas e galinhas.
Os olhos de tia Rose voltaram de sua viagem ao passado e desviaram-se do retrato de Bartolomeu.
- Vamos jantar, minha querida. Se continuarmos a olhar a comida ela vai esfriar!- Tia Rose riu sozinha da própria piada e serviu-se de um pouco de pernil.